quarta-feira, 27 de abril de 2011

Domingo na Feira





         Meus Deus quanta saudade. Era  bom e belo sentir a mão hercúlea de meu Pai segurar a minha. Ele, brutamontes que era (só de corpo, pois tinha alma de meninos), me jogava em seus ombros com as pernas trançadas em torno do seu percoço; com a destra segurava a sacola de lona listrada e seguia a passos largos. Do alto eu divisava a feira e antecipadamente me sentia feliz ao ver as cobertas multicoloridas de barracas, principalmente aquela de cor azul onde eu via uma fumaça saindo; lá Papai tomava uma boa dose de pinga e comia churrasco, entretanto minha avidez de ir à feira era por causa dos pastéis e da garapa, ver as pessoas andando pra lá e pra ccá como se fossem um bando de formigas irreverentes, que lisonjeiras e de soslaio observavam o rio Paraibuna, que caudaloso encenava a encarnação de ávidos pescadores nas manhãs deominicais à cata de um bom pescado, mas quem fazia o festim eram os vorazes lambaris.
         Nossa entrada na feira era triunfal. Meu Pai tinha o carisma de um santo e a postura de m imperador, porém os seus cativos eram um tanto amigos, de conhecidos, muitos companheiros, e ele, sem distinção parava com todos a tocar um dedo de prosa e eu muito me orgulhava daquela sua faceta cristalina.
         Um dos amigos de meu Pai, por quem eu nutria uma grande admiração e amabilidade era  guarda   civil, e ele me dava doces de coca fina que eu comia à farta. No mais, eu gostava mesmo era de ver meu Pai a pechinchar, ouvir o Índio apregoar ervas milagrosas, a cantilena do vendedor de catavento e do vendedor de algodão doce, cuja alvura fazia similitude às nuvens que, garbosas, desfilavam sob a aboboda celeste. O burburinho reinante na feira me fascinava e num descuido de Papai eu me punha a cobiçar o tabuleiro de pirulitos de mel ou então me posicionar diante do Ditão, um cego que tocava acordeão na feira; ele era uma aventura inesquecível pois seus dedos roçavam no teclado do instrumento com a suavidade de uma pluma e a precisão de matemático, afinal ele era uma pintura nos seus trejeitos de músico que nunca frequentara uma escola e um desafio à sua deficiência nata.
          Tantos anos se passaram e eu, na acepção da palavra me tornei homem feito. A feira e seus personagens continuam ali com pequenas oscilações em suas tradições. As ervas e as raízes milagrosas comercializadas pelo Índio agora são empacotadas, o vendedor de churrasco aposentou-se mas passou o ponto ao seu filho, a redoma de pasteis ainda existe, mas a garapa agora é servida em copos de papel, os cataventos ainda giram, porém sem o frenesi de outros tempos, os algodões doces não parecem nuvens, porque agora, além de ensacados em plásticos estão coloridos de azul, roasas, verdes; os pirulitos de mel não ficam mais no tabuleiro de madeira, o burburinho que antes reinava se tornou uma balbúrdia, o rio Paraibuna escasseou de água e de peixe. Ditão, o cego, coitado, tá tão velho.
         Meu Deus quanta saudade, não da feira... mas do meu Pai!
                                                 (Antônio Henrique da Silva)

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